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quarta-feira, 4 de maio de 2011

Jornal do Buteco - Relatos de um crime

Na capa desta edição do Jornal do Buteco uma notícia muito desagradável para a comunidade de desenvolvimento de software: "Desenvolvedor é encontrado asfixiado em sua baia!". "Depois de isolar a cena do crime e fazer o 'commit' dos arquivos que ainda não tinham passado pela integração contínua, empresa decide alocar um dos membros da equipe de projeto para apurar as circunstâncias deste crime ediondo."

O interessante foi que, por meio de uma indicação unânime, todos apontaram a área de Auditoria de Qualidade para este trabalho. Este concenso (100%) entre desenvolvedores, gerentes, scrum masters, etc, chamou a atenção da investigação.

A expectativa era de ter resultados rápidos para esta apuração. Para tanto, foram definidos prazos, responsáveis e métricas. Ou seja, Quem? Quando? O que? Como? são perguntas que deveriam ser todas respondidas. Sendo tudo documentado em um pequeno plano de projeto.

Ao iniciar a investigação, o Auditor da Qualidade usa da rastreabilidade para procurar a origem do problema. Verifica artefatos, registros e documentos em detalhe. Estabelece entrevistas individuais com toda a equipe para coletar seu feedback e impressões sobre o dia a dia das atividades da vítima.

Depois de muita investigação, um fato salta aos olhos da investigação: o projeto estava atrasado. Mas, que relação teria este atraso com o crime em si? Esta e outras perguntas precisavam sem respondidas pela investigação.

Os stakeholders principais, impacientes, colocam bastante pressão em todos. Os fatos precisariam ser apresentados logo e o(s) culpado(s), punidos exemplarmente. Budget não era problema, a equipe gerencial estava disposta a fazer todo o esforço necessário para esclarecer esta situação.

A rádio peão trazia de uma maneira 'real time' todas as novidades e especulações sobre o assunto. Boletins regulares eram distribuídos próximos da máquina do café, e através dos diferentes meios de comunicação 'extra-oficiais' da empresa: email, skype, msn, fone e twitter. Chegou-se a pensar até em oferecer prêmios para quem tivesse informações sobre o fato ocorrido, mas, isso não foi considerado conveniente.

Pode-se dizer que, as atividades da empresa literalmente pararam. Não se falava em outra coisa, e surgiu um risco comum para todos os demais projetos da empresa: Ninguém se concentrava em suas atividades. Todos estavam ávidos por novas informações.

Adicionalmente à toda esta situação, os pedidos de desligamento dos colaboradores da empresa aumentaram subitamente. A segurança interna teve que ser reforçada para garantir a tranquilidade dos colaboradores. A área de RH preparou um vídeo com instruções de primeiros socorros, técnicas de guerrilha e encaminhou para o setor de compras um pedido de máscaras de gás (que ficou aguardando aprovação gerencial).

O ambiente ficava cada vez mais 'pesado'. Todos se entreolhavam, desconfiados. Temerosos por serem os 'próximos'.

Finalmente, a auditoria prepara um relatório e, dada a situação caótica e estressante de todos, a alta cúpula da empresa resolve chamar uma reunião geral para apresentação das conclusões.

Com o microfone em mãos o relator ia iniciar seu discurso quando se ouve um grito. Era a recepcionista, que desmaiou (suspeitou-se imediatamente de pura frescura). O socorro chegou rápido. Os brigadistas da empresa foram finalmente testados em uma situação real de 'combate'. Aventou-se a necessidade de fazer o procedimento 'boca-a-boca', mas, enquanto tiravam no par ou ímpar, ela começou a voltar a si. A disputa estava grande: Vai você! Eu não, você primeiro! É nessas horas que você avalia a solidariedade humana. :)

Depois dessa interrupção, o auditor retomou sua fala e iniciou:
- A verdade é uma só: o projeto estava atrasado. A auditoria de baseline apontou a falta de vários artefatos. E a vítima, era a responsável por vários deles.

Esta afirmação colocou em polvorosa a todos, manifestações de todo tipo começaram a surgir, em meio ao tumulto:
- A culpa é do processo, pesado e massacrante! Atestam desenvolvedores solidários ao colega vitimado.
- Baseline afirma categoricamente: "Eu não sabia de nada! Só coloquei rótulos nos artefatos disponibilizados."
- Gerente: na reunião de progresso estava tudo 'verde'. Como eu saberia disso?
- O responsável pelos testes de integração ressalta: Havia falhas na automatização de testes!

Então, eis que surge o desenvolvedor, o que havia sido "asfixiado". Ainda não totalmente recuperado, com olheiras de quem já não dormia bem fazia algum tempo, carregando um pedaço de código impresso debaixo do braço, pede a palavra e diz:
- Sim, nem todos os artefatos foram devidamente armazenados. Era isso, ou perder o prazo de entrega do produto para o cliente. Este processo precisa ser mudado, urgentemente, ou outras pessoas também serão "asfixiadas".

Até então, a alta gerência não havia se manifestado. Ainda um pouco atordoada com toda a confusão, retira-se para deliberar.

A reunião foi encerrada e todos foram convidados a voltar aos seus postos de trabalho.
Bem, a situação ainda não tinha sido completamente resolvida, mas, o nível de stress havia baixado. A parte que interessava ao cliente, ou seja, o código, continuava sendo desenvolvido, mas, o repositório de artefatos do processo ficou sem atualizações.

Algum tempo depois, um novo comunicado da empresa:
- Caros colaboradores, os resultados desse semestre são promissores. A concorrência acirrada exige que nos reinventemos constantemente. E é por isso que foi estabelecido um grupo para revisão de nosso processo de modo a torná-lo ágil e eficiente.

O anúncio foi bem recebido já que vinha ao encontro da vontade de boa parte da empresa, mas, obviamente, haviam os céticos:
- Já vi esse filme.
- De novo?

Mas, também haviam os motivados:
- Finalmente, alguém tomou uma atitude.
- Não vejo a hora de usar o novo processo. Novinho em folha.

E finalmente, os membros indicados para o grupo de trabalho:
- Vamos lá pessoal, vamos colocar tinta nova nesse processo!
- Cores, precisamos de novas cores!
- Já era assim quando entramos na empresa e, não vai ser um 'pequeno' incidente que vai dizer que precisamos mudar tudo.